domingo, 7 de agosto de 2011

O xerife do RN pendura suas chuteiras


"Aparato policial nunca antes visto em qualquer ação de combate aos tóxicos em Natal, contando com mais de 100 policiais civis e militares em 15 carros, num esquema preparado pelo bacharel Maurílio Pinto de Medeiros, coordenador geral da polícia civil no RN, foi usado às 10 horas de ontem para cercar a residência do traficante Antônio Firmo da Silva, conhecido por Antônio Praia ou Antônio Caiçara, de 38 anos, na rua Ilha de Santana, 1105, no conjunto Soledade II e prendê-lo por se encontrar acusado de ser o maior distribuidor que fornece maconha para intermediários, proprietários de bocas de fumo instaladas em todos os bairros da cidade".


Viaturas, armas, operações e diligências entraram no cotidiano de Maurílio Pinto de Medeiros no dia 1º de julho de 1964 e, desde então, a habilidade, os contatos e a forma como ele fez uso desse aparato o tornaram referência no combate à criminalidade no Rio Grande do Norte. Hoje, o homem mais conhecido da Polícia Civil do Estado se afasta das atividades que por tanto tempo lhe deram satisfação e orgulho.

A menos de um mês de completar 70 anos de idade, Maurílio já não possui o mesmo vigor físico de quando foi prender o traficante Antônio Caiçara, em 25 de março de 1983. O trecho citado acima pertence à reportagem publicada na edição do dia seguinte na TRIBUNA DO NORTE. O delegado estava na porta do traficante e empunhava um megafone, convocando o criminoso a deixar o imóvel.

Era apenas uma operação, dentre tantas, que se destacaram nos 47 anos de profissão de Maurílio. Quantos foram presos pelo "xerife" ? Esse é um número difícil de precisar. "Foi muita gente, muita gente mesmo. Não tenho menor ideia da quantidade", reconhece Maurílio.

A imprecisão não é uma falha, pelo contrário. Ela dá a dimensão ou a impossibilidade de fixar um limite para o papel na polícia potiguar de quem, como Maurílio, começou como motorista. Em Patú, a cerca de 320 quilômetros da capital, dirigia nas diligências comandadas pelo pai, o coronel PM Bento Manoel de Medeiros. "Antes de ser oficializado no cargo, cheguei a dirigir sem carteira as viaturas da polícia, inclusive para outros Estados. Nunca deu problema", relata em meio a risos.

Se dependesse do pai, apesar do apoio inicial, não tinha seguido a carreira na polícia. "Papai me dizia sempre: 'Maurílio, olhe, só quero que você continue na polícia enquanto eu estiver trabalhando. Depois que me aposentar, não queria mais você por aqui'. Perguntei o porquê. 'Ocorre que tenho muitos inimigos'. Nunca fui incentivado por ele para ir para a polícia", contou.

Edmar Leitão, "Chico Orelha" e Luís Henrique Gusson Coelho foram apenas alguns personagens detidos ao longo da carreira do "Xerife" que se destacaram na crônica policial. O homem conhecido pela seriedade na condução das investigações que assumia reclama que hoje em dia não há mais "dureza" nos interrogatórios.

"Os policiais têm medo dos Direitos Humanos e do Ministério Público. Por isso, deixam de dar continuidade às investigações dos crimes". Indagado sobre problemas que havia adquirido ao longo da carreira com autoridades ligadas à defesa da população carcerária, Maurílio enfatizou: "Eu me considero um defensor dos direitos humanos".

O delegado polemiza também em outras declarações. Maurílio faz críticas diretas aos sindicatos dos policiais civis e atribui a eles o maior problema da instituição: a indisciplina. "O grande problema da polícia é a indisciplina e os grandes responsáveis por isso são os sindicatos. Hoje a polícia é refém dos sindicatos".

O Xerife toca em outro ponto que o incomoda. Para ele, a interferência política na área de segurança se acentuou ao longo dos anos e atrapalha o andamento dos inquéritos.

Com a mesma intensidade que faz críticas, também se defende de acusações. Uma delas é ação movida pelo Ministério Público por improbidade administrativa em virtude de supostos grampos ilegais. "Para mim, improbidade pressupõe desonestidade e não sei qual é a desonestidade em gravar conversa de bandido", argumenta.

Por cerca de 21 anos, o delegado foi o chefe de Polícia Civil no Estado. Exerceu, ainda, as funções de subsecretário e secretário adjunto de Segurança Pública. Ás vésperas da aposentadoria, com problemas de saúde, vai em dias alternados durante a semana à Delegacia Especializada de Capturas (Decap) para despachar documentos. Rotina que deve se encerrar em breve. E depois? "Inicialmente, estou planejando fazer umas viagens. Vai ser difícil me adaptar à nova rotina, ficar em casa. Mas é o jeito".

O Xerife deixa os quadros da Polícia Civil com o sentimento de dever cumprido e acreditando na capacidade dos delegados que permanecem.

O delegado Maurílio Pinto de Medeiros recebeu a equipe de reportagem em casa, no bairro de Capim Macio. Doente, precisou de ajuda para caminhar até o escritório. Um AVC sofrido há cerca de 10 anos deixou paralisado parte dos movimentos do corpo no lado esquerdo. A fala é lenta e as histórias marcadas por lapsos na memória que, mesmo para um outro homem sem os problemas que ele tem, seria difícil manter intacta. Afinal, são 47 anos de carreira na Polícia Civil do Rio Grande do Norte. Parte dessa história está refletida nas paredes do escritório. Não há mais espaço para se pendurar qualquer placa ou homenagem. O que se vê são títulos de cidadão de várias cidades, placas de honra ao mérito e "policial do ano". Títulos "The best of the best" [O melhor dos melhores] completam o cenário. No local, há ainda algumas caricaturas e fotos. Na mesa, a placa metálica onde está escrito "Bel. Maurílio Pinto de Medeiros" é símbolo das coberturas policiais da década de 1980 e 1990. O homem de cabelos brancos bagunçados fala de forma sincera sobre assuntos que o afligem. Também ri e confidencia opiniões. Na entrevista a seguir, Maurílio discorre sobre a carreira, os mais famosos casos policiais e uma visão sobre o cenário atual da segurança pública.

O começo

"Fazia diligências com a polícia de Patú, inclusive dirigindo a caminhonete da delegacia para Catolé do Rocha - na Paraíba. Passava na rodoviária e mesmo sendo menor dirigindo o carro da polícia ninguém atentava. Desde essa época [década de 1960] comecei a me interessar pelo serviço policial. Daí, fui servir a aeronáutica, onde passei dois anos. Depois voltei e fiquei colaborando com papai, como uma espécie de auxiliar de polícia. Logo em seguida, papai conseguiu minha contratação como motorista policial. Fui contratado exatamente no dia 1 de julho de 1964. Papai nesse época era o chefe da Polinter. Por isso que, agora já prestes a me aposentar, pedi para encerrar minha carreira na Delegacia de Capturas/Polinter. Ele me dizia sempre: "Maurílio, olhe, só quero que você continue na polícia enquanto eu estiver trabalhando. Depois que me aposentar, não queria mais você por aqui". Perguntei o porquê. "Ocorre que tenho muitos inimigos". Nunca fui incentivado para ir para a polícia. Como também não incentivei meus filhos, que também acabaram ingressando nessa carreira."

Os presos

"Foi muita gente, muita gente mesmo. Não tenho menor idéia da quantidade. Teve um fato interessante: havia um pistoleiro acusado de diversos crimes na zona oeste do Estado, era Raimundo Nonato, vulgo "Nadu". Esse camarada era uma espécie de gerente do crime. Papai o prendeu em Fortaleza. Posteriormente, prendi o filho dele. E depois, meu filho prendeu o neto dele. Foi uma seqüência."

Casos policias

"Houve diligências importantes. Destaco o assalto ao Banco do Nordeste, em Assú, que culminou com a morte de quatro bandidos e foi preso um no estado do Pará. Isso ai teve uma repercussão nacional, quando o perseguimos de avião. Digo sempre: no Rio Grande do Norte, foi a primeira vez que houve uma perseguição aérea. Pode ser que seja inédito no Brasil também, nunca ouvi falar em outro caso."

Uma ameaça

"Teve um bandido famoso, Edmar Nunes Leitão. Participei de várias diligências com ele e o levei diversas vezes em João Pessoa, para ele ser interrogado em um processo que era denominado de o "processo dos coronéis". O caso envolvia o assassinato encomendado por um coronel da polícia contra outro coronel da polícia. O coronel José Lira, que era deputado estadual, mandou matar o coronel Luiz de Barros. Nesse processo, as principais testemunhas eram o governador, o vice - só era autoridade. Esse crime até hoje não foi esclarecido. Aurino Suassuna era outro pistoleiro muito famoso, que por coincidência morreu na mesma cidade de Leitão no Ceará. Uma vez, Suassuna me ligou fazendo umas ameaças. "Quero dizer que posso tocar fogo na sua casa, com seus filhos dentro". Disse: "Primeiro lugar, se for sobre ameaças, não vou atender mais seus telefonemas. Se quiser conversar normalmente, ligue novamente". Depois de alguma conversa, ele disse: "Vou dar o endereço para você me apanhar aqui no Pará: rua 38, número 6", disse fazendo referência ao revólver calibre 38 e à quantidade de balas.

Os Carneiros

"Realmente era uma quadrilha muito atuante, não só em crimes de homicídio, como em assaltos a bancos. Realmente eram pessoas muito perigosas. O Idelfonso Maia Cunha, o Mainha, era outro pistoleiro bastante atuante no Estado. Ele foi capa da revista Istoé, porque diziam que ele era o autor de mais de 100 homicídios. Consegui cinco mandados de prisão aqui no Rio Grande do Norte contra ele, mas ele também atuava no Piauí, no Ceará, em vários outros Estados."

A nova polícia

"Se naquela época (década de 1970), nós tivéssemos as condições que existem hoje, muitos crimes teriam sido solucionados. Hoje existe toda a tecnologia, como as interceptações telefônicas. A gente sai aqui na rua e vê um carro com placa suspeita, liga para a delegacia e já sabe se o carro é roubado. É muito diferente. Acredito que a diferença maior é que naquela época os policiais eram mais dedicados. Eram pessoas que não se preocupavam com diárias operacionais, que acredito ter sido um grande erro essa criação. Tem também isso de desvio de função. Entendo que polícia é polícia. Ai, falam que polícia militar não pode fazer isso, polícia civil não pode fazer aquilo. É tudo polícia, rapaz. Gosto daquela frase do Cortez Pereira [Governador do Rio Grande do Norte entre 1971 e 1975]: "Se unidos somos fracos, desunidos não somos nada". Ai, fica com essa história de greve, que só serve mesmo para briga interna. O grande problema da polícia é a indisciplina e os grandes responsáveis por isso são os sindicatos. Hoje a polícia é refém dos sindicatos. Agora mesmo o sindicato da polícia civil está fazendo uma campanha para abertura 24 horas das delegacias. Abrir para quê? Se eles não fazem nada."

Interferências políticas

"Estão escolhendo delegados por influência política. Até hoje, os cargos que ocupei não tiveram indicação de políticos. Tive oportunidade duas vezes de ser o secretário de segurança, no governo de José Agripino Maia e na gestão de Geraldo Melo. Em uma das oportunidades, necessitava que o deputado Raimundo Fernandes, que é um amigo que tenho, "avalizasse" a indicação. Disse: "Pode ficar certo que não irei até ele de jeito nenhum". Quando Wilma de Faria assumiu o governo, ela me chamou para conversar sobre segurança pública e fez essa mesma pergunta sobre as interferências. Disse: "Governadora, até hoje, principalmente no interior, há uma influência muito grande. Tem prefeito que diz logo: 'Se tirar o delegado, eu rompo'". Na capital, até o momento, a escolha para diretores e chefes de unidades são escolhas técnicas, mas a influência em todo o Estado é bem maior do que se costumava ver para alguns cargos.

Um exemplo, o Ronaldo [Gomes, ex-delegado geral da Polícia Civil na gestão Rosalba] me chamou para discutir um documento que assinei. Contestava a nomeação de José Carlos Oliveira para a Dpcin [policiamento no interior] por não ser de classe especial. Ele ia comandar delegados de classe especial no interior como Renato Batista e outros que ficariam subordinados.

Fizemos um documento pedindo para rever a situação que concorre para quebra da hierarquia. Em conversa com Ronaldo, reiterei que José Carlos não poderia ocupar aquele posto, mesmo sendo eficiente. Ronaldo justificou dizendo que havia sido uma escolha técnica, mas sabemos que houve política, através da indicação do deputado Robinson Faria - atual vice-governador. Ninguém desmentiu.

Os bons policiais

"Nós temos bons nomes. O próprio Ronaldo Gomes era deles. Fizeram umas denúncias contra ele, mas não sei de nada. Lenivaldo [Ferreira Pimentel], Rolim [Raimundo Rolim de Albuquerque Filho] também se destacam, delegados muito bons nas investigações que conduzem. Odilon Teodósio, Sheila Freitas e Alzira [Veiga] são outros nomes de destaque. Graciliano Lordão é um caso interessante. A delegacia dele em Parnamirim tinha cerca de 100 presos e era uma das que mais investigava e solucionava crimes. Ai vem os policiais falarem que não podem investigar porque tem que ficar vigiando preso. Como se explica esse caso então?"

Polêmicas

"Eu me considero um defensor dos direitos humanos. Tudo que fiz e façoocorre no sentido de ajudar, principalmente, pessoas mais pobres. O pessoal dos direitos humanos me acusa que sempre procurei solucionar casos de pessoas importantes. Pelo contrário, me sinto satisfeito quando aparecem pessoas pobres me procurando e dou solução aos casos. Outra coisa é que hoje a polícia faz as prisões e não se aprofunda. Os policiais estão com medo dos direitos humanos, do Ministério Público. Tem que interrogar duro. Não fazem e fica por isso mesmo.

Escutas legais

"Estava programando que quando fosse encerrado o processo, sendo condenado ou absolvido, prestaria alguns esclarecimentos. O objetivo era esclarecer a grande quantidade de operações que estabelecemos a partir dos grampos. Mas, vou ter que falar antes da conclusão, porque não acaba nunca. Essa semana recebi mais duas intimações para apresentar defesa. Vou dizer a todos como foi de grande utilidade as interceptações na solução de crimes, fugas que evitamos. Um dos casos foi a operação para prender "Chico Orelha", foi algo espetacular. Nós o surpreendemos na porta de casa. Um dos nossos agentes chegou a levar três tiros, mas reagimos e o "Chico" acabou baleado e morto. Fico triste com essa ação do Ministério Público no caso das interceptações, que é classificada como de "improbidade administrativa". Para mim, improbidade pressupõe desonestidade e não sei qual é a desonestidade em gravar conversa de bandido. Eles falam que gravei jornalista, deputado. Peço que apresentem um caso desses."

Aposentadoria

"Em 1964 digo que tive dois casamentos: casei com minha mulher e com a polícia. Faço tudo com muito amor. É aquela história, quem trabalha no que gosta produz muito mais. Nunca tive hora para trabalhar e muitas vezes passei o aniversário em operações. Minha mulher me dá todo o apoio. Meus filhos têm orgulho de mim."



Fonte: Tribuna do Norte
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